Teórico da cena


Era início dos anos 1990. No centro da cidade, o Theatro José de Alencar ostentava os resultados de uma grande obra de restauro. A casa estava arrumada. Como convidado, o teatrólogo italiano Eugenio Barba, acompanhado da atriz inglesa Julia Varley, em sua primeira visita ao Ceará. Na ocasião, o solo O Castelo de Holstebro foi encenado, com o público sobre o palco, pertinho da cena. No Benfica, o Teatro Universitário, era palco para o solo Sargento Getúlio, adaptação do romance homônimo de João Ubaldo Ribeiro, encenado por Ricardo Guilherme. No camarim, ele recebeu a notícia de que Barba assistiria ao espetáculo. ``Conversamos, referenciados pela performance que ele acabara de ver, sobre os fundamentos do Teatro Radical, numa rápida impressão acerca de analogias com o seu Teatro Antropológico``, lembra.

Fundador do grupo Odin Teatret (1964) e da International School of Theatre Anthropology (1969), Eugenio Barba é o nome por trás do Teatro Antropológico. Em seus livros, ele estuda as bases técnicas do trabalho do ator, desenvolvendo exercícios e sistematizando uma metodologia do processo criativo. É pragmático. Trocando em miúdos: ``O Barba mostra que ator não é só talento ou Sarah Bernhardt ou Cacilda Becker. Qualquer pessoa pode ser ator e ter bons resultados``, explica Danilo Pinho, professor da graduação em Artes Cênicas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (Ifect-CE).

Pois, desde os anos 1980, Ricardo Guilherme acompanhava as publicações de Barba. A influência na proposição do seu Teatro Radical foi natural. ``A passagem do Barba ratificou em todos nós que já tínhamos contato com os seus escritos a consciência acerca de alguns conceitos de sua obra, além de nos permitir ver um de seus trabalhos como encenador``, recorda. Quase 20 anos depois, o italiano retorna ao Ceará. ``O grupo Odin tem uma trajetória como teatro-laboratório e passa por vários lugares do mundo. Tanto o Odin vem para trocas como recebe solistas e grupos brasileiros para temporadas de estudos e intercâmbio em Holstebro``, explica Izabel Gurgel, diretora do TJA. A partir de quarta-feira, a dupla realiza demonstrações técnicas e apresenta o espetáculo O Castelo de Holstebro, em momentos tão imperdíveis quanto exclusivos: 60 pessoas assistem a cada demonstração, 120 pessoas, à conferência, e 150, ao espetáculo.

As expectativas em torno dessas atividades são altas. "Na esfera mundial, é a pessoa mais expressiva do teatro", define Danilo Pinho. Em Fortaleza, o teatro, que costumava ser intuitivo, já conta com duas graduações: a do Ifect-CE e a da Universidade Federal do Ceará (UFC), cuja primeira turma inicia em 2010. É natural que grupos de pesquisa, companhias, estudantes, professores - e não só do teatro, mas das artes cênicas em geral - queiram participar do encontro com Barba. "Estou querendo participar. Todavia eu sei que, pelo número restrito de público, tanto para as demonstrações, quanto para os espetáculos, vai gerar uma expectativa e um certo sacrifício da nossa parte de estar com bastante antecedência na fila", diz Ghil Brandão, ator, diretor e coordenador do Curso de Artes Cênicas da UFC.

O ator Tomaz de Aquino também está ansioso. Quer ver de perto os treinamentos ``fortes e vigorosos`` desse teatro voltado para o corpo. ``Nem todo mundo se interessa por essa linha, mas, por ele ser de fora e trazer um conhecimento extra, com certeza vai levar muita gente ao TJA``, acredita o ator, que planeja assistir a todas as demonstrações técnicas de Eugenio Barba. "Com certeza a fila vai ser formada e, com certeza, as pessoas vão furar. Vai ter uma confusãozinha básica, como já aconteceu em encontros com outras pessoas``, prevê & mas já disse que não arreda o pé. Danilo Pinho assina embaixo: ``Vai ter briga, vai ter fila, mas existem limites, né? O teatro não é feito por massas, o Barba não está no Faustão, não é da Globo nem de Hollywood. Não é famoso, é marginal. Então eu acho que as pessoas que irão são pessoas do teatro, mas pessoas que estão buscando um teatro de sensibilidade``.

As regras para ver Eugenio Barba são claras: a entrada é por ordem de chegada, e um livro deve ser doado. Com tanta procura, no entanto, nem todo mundo que gostaria de participar dos encontros tem disponibilidade para horas de fila. Herê Aquino, diretora teatral e integrante do movimento Todo Teatro é Político, discorda do modus operandi. ``Esse é um ponto supercomplicado. Um critério que poderia ter sido pensado: quais pessoas em Fortaleza pesquisam ou estão buscando entender um pouco mais o Barba? Porque, às vezes, muita gente vai, mas tem muita gente iniciando ainda no estudo. Poderiam haver oportunidades pra pessoas que estão começando e conciliar com quem já pesquisa``, descreve.

Enquanto a semana com Barba não começa, a ideia da fila é encarada com bom-humor pela diretora da Cia. de Arte Andanças, Andrea Bardawil. ``Vamos ver que horas da madrugada a gente vai ter de estar lá para conseguir entrar``, ri-se. Para ela, o momento é de encontro não só com o teatrólogo, mas também com os artistas que estão em torno dele: a inglesa Julia Varley e a brasileira Luciana Bazzo. ``A aproximação com essa sistematização de método de trabalho que ele criou vai ser o mais rico do trabalho. Se a gente não tivesse acesso a todo esse conhecimento, seria um pouco frustrante``, finaliza.

Até o próximo domingo, 28, Eugenio Barba desenvolve atividades no Theatro José de Alencar. Apontar possíveis desdobramentos dessa passagem é tarefa difícil. Danilo Pinho é taxativo: ``Uma interferência no teatro não se dá em cinco dias. A contribuição do Barba para o teatro cearense vai depender do artista que entrar em contato com ele. Quem é esse ator, o que ele quer. A médio e longo prazo, as estimativas são excelentes. Mas quem se foca em um teatrinho de entretenimento ou procura um trampolim pra fama não tem nada a ganhar com Barba``.

SERVIÇO

EUGENIO BARBA E ODIN TEATRET - De quarta a domingo, no Theatro José de Alencar. Demonstrações técnicas, espetáculos e conferência. Grátis. Outras informações: 3101 2583 e 3101 2603

Texto: Alinne Rodrigues

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