Olhar estrangeiro


Levado por uma intenção amorosa, o diretor espanhol Carlos Saura percorreu Lisboa em uma viagem de carro, para ver de perto o fado que conheceu na infância através dos filmes de Amália Rodrigues (1920-1999). A tristeza cantada com olhos e punhos cerrados assemelhava-se à dele e Saura apaixonou-se completamente pelo canto português. Convidado para retratar a história desta música popular em filme, projeto que resultou em Fados (ESP/PORT, 2007), Saura lançou mão de sua larga experiência em transpor para a tela o encontro da música com a dança. O documentário que, finalmente, chega a Fortaleza, encerra sua trilogia sobre a canção urbana, precedida por Flamenco (1995) e Tango (1998).

Contando com a consultoria musical do cantor Carlos do Carmo (filho de Lucília do Carmo, famosa fadista do século XX, homenageada no filme), Saura traz uma sequência de apresentações levando à tela as influências brasileiras e africanas do fado. E, nesta trilha pela miscigenação cultural, o diretor traça novos olhares, imprimindo contemporaneidade ao estilo. Colocando lado a lado nomes como Argentina Santos, Mariza, Carlos do Carmo e outros promissores como a mexicana Lila Downs, a cabo verdiana Lura e Miguel Poveda, Saura homenageia Alfredo Marceneiro (numa ótima interpretação dos rappers NBC e SP & Wilson), Lucília do Carmo e Amália Rodrigues (na participação de Caetano Veloso).

E é de Caetano Veloso uma das mais belas cenas do filme. Sozinho ao violão, o brasileiro dedilha os acordes de Estranha Forma de Vida e capricha no espanhol para embalar a dança de um casal de bailarinos. Em seguida, enquanto imagens da Revolução dos Cravos são projetadas ao fundo, Chico Buarque com sua elegância peculiar canta Fado Tropical, com participação de Carlos do Carmo. A terceira participação brasileira no longa já não surpreende tanto. Escolhido pelo cineasta por sua atuação no filme brasileiro Orfeu (1999), Toni Garrido não transpassa identificação com a música.

É importante dizer que Fados não se trata de um registro narrado e didático sobre a música portuguesa, pois disso o cineasta não se vale. Para ele, o gesto em cena tem muito mais valor e resolve a narrativa em si, o que por vezes é bem verdade. Mas aqui, apesar da sucessão de fados cantados por diferentes artistas e que poderiam ser vistos em uma ordem qualquer, o espectador acaba se concentrando unicamente nas performances, já que são poucas, ou ausentes, as referências a cada apresentação. Para os leigos, não é difícil encantar-se com a contraluz usada para realçar os movimentos dos corpos ou as performances primorosas dos músicos, mas o fato é que Fados não tira o fôlego como outros filmes da safra musical do cineasta costumavam fazer.

SERVIÇO

FADOS (Fados, POR/ESP, 2007) - De Carlos Saura. Com Chico Buarque, Carlos do Carmo, Caetano Veloso, Toni Garrido, Lila Downs. 90 min. Livre. // Documentário. Em cartaz no Espano Unibanco 2, às 14h10, 16h, 19h50 e 21h30 (não exibe sáb).

Texto: Elisa Parente

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